O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem (quarta, 5) que apresentará um projeto de lei (PL) para regulamentar a exploração de atividades econômicas em terras indígenas, incluindo mineração, garimpo, extração de petróleo e gás, geração de energia elétrica e agropecuária. O texto será enviado ao Congresso Nacional, a quem caberá deliberar e votar as mudanças.
Caso a matéria seja provada, haverá reflexos na economia de municípios que encampam áreas indígenas. Tangará da Serra é um exemplo, com uma reserva indígena cobrindo a maior parte (53%) de seu território. Campo Novo do Parecis, um dos maiores produtores de alimentos do estado, tem 1/3 do seu território ocupado por reserva indígena.
De acordo com as linhas gerais da proposta, apresentadas durante solenidade de celebração dos 400 dias do governo, no Palácio do Planalto, o objetivo é regulamentar trechos de dois artigos da Constituição Federal (176 e 231), estabelecendo condições específicas para essas atividades em áreas indígenas, como regras para consulta prévia das comunidades afetadas, procedimento para autorização do Poder Legislativo e pagamento de participações e indenizações aos indígenas. “Um grande passo. Depende do Parlamento. Vão sofrer pressão dos ambientalistas”, afirmou Jair Bolsonaro, ao fazer o anúncio.
Bolsonaro, ao anunciar o PL: “Um grande passo. Depende do Parlamento. Vão sofrer pressão dos ambientalistas”.
O projeto de lei foi elaborado por um grupo de trabalho coordenado pela Casa Civil da Presidência da República em parceria com ministérios, como o de Minas e Energia. Para o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a medida representa uma garantia de autonomia aos povos indígenas. “Pois hoje, presidente, com a sua assinatura será a libertação. Ou seja, nós teremos a partir de agora a autonomia dos povos indígenas e sua liberdade de escolha. Será possível minerar, gerar energia, transmitir energia, exploração de petróleo e gás e cultivo das terras indígenas. Ou seja, será a Lei Áurea”, afirmou.
O Artigo 231 da Constituição Federal condiciona a mineração no território indígena à prévia autorização do Congresso Nacional e à concordância da população indígena que vive no território. Pela Constituição, as reservas tradicionais demarcadas são de “usufruto exclusivo” dos indígenas, incluindo as riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Já o Artigo 176 define que as jazidas, demais recursos minerais e os potenciais de energia hidrelétrica dependem de autorização prévia da União com regras específicas quando se desenvolverem em faixas de fronteira e terras indígenas.
No caso de exploração de garimpo por não indígena, o consentimento prévio da comunidade será obrigatório, segundo técnicos do governo. “Eles vão ter que ter o consentimento dos índios para garimpo por não-indígena. A atividade garimpeira precisa do consentimento das comunidades”, acrescentou Roberto Klein Júnior, chefe da assessoria especial de acompanhamento de políticas, estratégias e desempenho setoriais do Ministério de Minas e Energia.
Para as outras atividades, a proposta não dá poder de veto às comunidades indígenas para rejeitar uma eventual instalação de empreendimento em suas terras. “A gente busca nas consultas às comunidades que vão ser feitas dentro de requisitos pré-estabelecidos, ou seja, na linguagem deles, lá onde eles residem, dando toda a liberdade deles de discutirem a matéria e buscar o consenso. Dificilmente você vai fazer um empreendimento sem o consenso das comunidades afetadas. Agora, poder de veto, [não].”, afirmou Roberto Klein Júnior.
Ainda segundo o governo, o PL prevê que a participação no resultado e a indenização das atividades econômicas sejam depositadas na conta bancária de um conselho curador formado apenas por indígenas e criado por cada terra indígena. A ideia, argumenta o governo, é permitir que os próprios indígenas repartam os recursos entre as associações que representam as comunidades afetadas. O Palácio do Planalto não informou quando enviará o texto do projeto de lei ao Congresso Nacional. A íntegra da proposta também não foi disponibilizada à imprensa.
Projeção
No caso específico de Tangará da Serra, as reservas indígenas representam nada menos que 53% do território total do município. Ou seja, são cerca de 6.000 km², o equivalente a 600 mil hectares, do território total de 11,3 mil km².
Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto de Tangará da Serra em 2017 era de R$ 3,014 bilhões. Deste total, apenas 9,91% (R$ 298,7 milhões) refere-se ao valor adicionado pela agropecuária, enquanto a indústria responde por 14,05% (R$ 423,4 milhões).
Algumas comunidades indígenas já plantam soja, com áreas mais extensas em Campo Novo do Parecis.
Segundo o próprio IBGE, o montante do setor agrícola (excetuada a pecuária) de Tangará da Serra vem de uma área cultivada de aproximadamente 200 mil hectares, contra os 600 mil hectares reservados aos povos indígenas.
Numa conta simples, é possível imaginar o município dobrar sua produção agropecuária utilizando apenas 30% das reservas indígenas, o que significaria um crescimento do PIB tangaraense em pelo menos 10%, fazendo-o saltar para aproximadamente R$ 3,3 bilhões.