A possibilidade de o Congresso Nacional aprovar atividades agropecuárias e florestais em terras indígenas, poderá representar um salto na economia de Mato Grosso a partir da expansão da produção em áreas hoje ociosas.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou por maioria (33 votos a 18) na última terça-feira (27), a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 187/16).
Caso siga adiante e seja aprovada pelo Congresso, a PEC criará condições para autorização de parceria para cultivo e criação de gado em terras demarcadas.
Os próprios índios já produzem grãos em algumas reservas, como em Tangará da Serra-MT, e frequentam cursos de qualificação do Senar.
Em Tangará da Serra, no sudoeste de Mato Grosso, os próprios índios já produzem grãos em algumas reservas. A atividade rende, inclusive, cursos de qualificação a membros das comunidades indígenas através do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que tem ministrado instruções de operação e manutenção de tratores e colheitadeiras e também de aplicação de herbicidas.
Outro exemplo em Mato Grosso de produção agrícola em reserva indígena está em Campo Novo do Parecis, a 400 quilômetros de Cuiabá. Os índios das etnias Manoki, Nambiquara e Paresi colheram no início deste ano soja convencional cultivada em 2,2 mil hectares no município. Eles desenvolvem a agricultura nas terras indígenas há 15 anos e mais de 17 mil hectares são destinados ao plantio de grãos.
De acordo com o presidente da cooperativa indígena, Ronaldo Zokezomaiake, 95% do tratamento dos grãos são feitos sem o uso de agrotóxicos.
Projeção
No caso específico de Tangará da Serra, as reservas indígenas representam nada menos que 53% do território total do município. Ou seja, são cerca de 6.000 km², o equivalente a 600 mil hectares, do território total de 11,3 mil km².
Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto de Tangará da Serra em 2016 era de R$ 2,96 bilhões. Deste total, apenas 11,5% (R$ 342,7 milhões) refere-se ao valor adicionado pela agropecuária.
Segundo o próprio IBGE, o montante do setor agrícola (excetuada a pecuária) de Tangará da Serra vem de uma área cultivada de pouco mais de 191 mil hectares, contra os 600 mil hectares reservados aos povos indígenas.
Numa conta simples, é possível imaginar o município dobrar sua produção agropecuária utilizando apenas 30% das reservas indígenas, o que significaria um crescimento do PIB tangaraense em pelo menos 10%, fazendo-o saltar para aproximadamente R$ 3,3 bilhões.
Teor
A PEC estabelece que as comunidades indígenas podem, de forma direta, exercer atividades agropecuárias e florestais em suas terras, com autonomia para a administração dos bens e a comercialização dos produtos. O texto da matéria propõe a inclusão de um parágrafo ao artigo 231 da Constituição Federal.
“As comunidades indígenas podem, de forma direta e respeitada a legislação pertinente, exercer atividades agropecuárias e florestais nas terras mencionadas no Parágrafo 1º deste artigo, sendo autônomas para praticar os atos necessários à administração de seus bens e comercialização da produção”, diz o texto da PEC.
Produção em terras indígenas poderá representar um salto na economia de Mato Grosso a partir da expansão da produção em áreas hoje ociosas.
Para seguir a tramitação, é necessário que seja instalada uma comissão especial para tratar exclusivamente do tema.
No entanto, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou nesta segunda-feira (26) que não criará a comissão especial no caso de surgir “alguma polêmica”.
“Se for algo que sinaliza com alguma polêmica, com algum encaminhamento que gere mais narrativas negativas para o Brasil, é claro que ela vai ficar onde está, apenas aprovada na CCJ”, disse Maia.
Justificativa
Ao justificar a proposta, o deputado Vicentinho Júnior (PR-TO) afirmou que a Constituição promulgada em 1988 pretendia concretizar o “paradigma de proteção, autonomia e respeito aos povos indígenas”.
“Essa é uma visão preconceituosa e ingênua, baseada em um desejo bucólico de retornarmos aos tempos do ‘bom selvagem’. Ainda que seus defensores tenham o intuito de proteção às comunidades indígenas, não percebem serem os próprios índios os mais prejudicados”, afirmou Vicentinho Júnior.
Para o congressista, a Constituição Federal “não trouxe de forma expressa a possibilidade das comunidades indígenas cultivar a terra e comercializar os frutos desse trabalho”.
“Por isso, abriu margem para algumas interpretações desarrazoadas, que insistem em considerar o indígena, via de regra, como um ‘incapaz’ inadaptado por completo ao que dizem ‘civilização’”, argumentou o parlamentar.
(Redação Enfoque Business, com Agência Brasil)